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terça-feira, 8 de maio de 2012


ABORTO DE ANENCÉFALOS E PACTO DE SÃO JOSÉ

MARCOS VINICIUS SEVERO DA SILVA
Procurador da Fazenda Nacional
 
 
Publicação: 11/04/2012 02:00 – Coluna Opinião do Correio Braziliense
 
 
O dia de hoje deverá entrar para a história. O Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do Brasil, confirmará, ou não, o respeito, em sua plenitude, ao primeiro e mais importante dos direitos humanos, o direito à vida.
Será julgada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que trata sobre o aborto dos anencéfalos.
Em relação ao momento do início da vida, a abalizada palavra da embriologia humana nos informa que se dá no momento da concepção. Esse conceito vigora desde 1827, por Karl Ernst Von Baer, o pai da embriologia moderna, até os atuais estudos acerca do assunto.
No tocante ao anencéfalo, especificamente, conclusões médicas têm apontado no sentido de que, em razão de ficarem preservadas diferentes partes do encéfalo (tronco encefálico, região talâmica e, inclusive, porções do córtex cerebral), há regiões responsáveis pelo controle automático de funções viscerais, como os batimentos cardíacos e a capacidade de respirar por si próprio, ao nascer.
Em que pesem tais considerações, muito se tem discutido sobre a viabilidade da vida, havendo alegações de que o anencéfalo vive no máximo algumas horas. Nesse ponto, temos de ter cuidado para não resvalarmos para o perigoso caminho da seleção dos nascituros que beira o utilitarismo e lembra as medidas eugênicas adotadas pelo Código de Hamurabi. Se for aprovada a possibilidade do aborto do anencéfalo, quem será o próximo?
A vida, ainda que a extrauterina seja de poucas horas, deve ser protegida de forma integral. Ao tratar desse sensível tema, não se pode descartar a hipótese de que os diagnósticos de anencefalia podem mostrar-se, dolosa ou culposamente, equivocados. Há de se ter presente que a dúvida sempre milita em favor da vida.
Na linha de que uma imagem vale muitas vezes mais do que palavras, recomendável é o vídeo Flores de Marcela, que está no YouTube. Trata da inolvidável e emblemática história da Marcela de Jesus, a menina anencéfala que viveu um ano e oito meses. Ela, dentre outras atitudes (alimentava-se, ouvia, sorria, chorava, reagia), não gostava de laranja. É isso mesmo. A anencéfala Marcela não gostava de laranja. Está lá no vídeo.
E o que diz a legislação que vige em nosso país? Felizmente, para a defesa dos indefesos anencéfalos, não será necessário ser invocada a Lei Protetiva dos Animais (inclusive de seus ovos), tal qual fez o jurista Sobral Pinto no antológico caso em que defendeu o então prisioneiro político Harry Berger. No Brasil, a vida é assegurada como direito fundamental em nossa Constituição Federal (artigo 5º, caput); e o Código Civil preserva o direito, não só patrimonial, dos nascituros (artigo 2º).
Ainda que tais disposições já garantissem a proteção jurídica do nascituro, no Brasil, foi-se mais adiante. O Estado brasileiro passou a ser signatário da Convenção Americana de Direito Humanos, o denominado Pacto de São José, quando o ratificou em 1992. Conquanto o nascituro já seja um sujeito de direitos, o Pacto de São José o erigiu à condição de pessoa, assegurando-o, expressamente, proteção desde a concepção.
A única reserva que tal diploma faz diz respeito aos países signatários cuja legislação interna disponha em sentido contrário — que não é o caso do Brasil —, ou seja, que expressamente preveja o início da vida em momento posterior ao da concepção. Nessa hipótese, conforme entendimento firmado na Resolução nº 23/81 (Caso Commonwealth vs. Kenneth Edelin) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não se aplica o Pacto de São José, justificando- se a expressão “em geral” de seu artigo 4º.
Embora seja consabido que a Corte Interamericana de Direitos Humanos sempre terá a sua competência resguardada para a aplicação do Pacto de São José, confiemos na sua observância pelos nobres julgadores da Suprema Corte brasileira, mantendo-se preservada a ordem jurídica do país e não permitindo que se retroceda à semelhança daquela sociedade que sacrificava aqueles por ela considerados inválidos.

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